quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A lenda do flautista de Hamelin contada por este blogueiro

Depois um longo e tenebroso tédio... retomamos este blog sobre coisas doces e sujas, pois como diz Padre André João Antonil: "porque tudo que é doce, ainda que imundo, deleita." Antonil. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Lisboa,1711.

Flautas e ratos, assim como crianças, parece que se enquadram no tema.





I
Era uma vez, a cidade de Hamelin no tempo das cruzadas e da peste negra que estava infestada de ratos por todos os cantos de suas casas e ruas, castelos e igrejas.

II
Ninguém gostava dos ratos.
Muito menos de ter que caçá-los, matá-los e queimá-los ou enterrá-los.
Mas as notícias da peste estavam vindo de cidades cada vez mais perto de Hamelin.
E sempre falavam dos ratos que inesperadamente começavam a morrer na frente das pessoas para anunciar as grandes mortandades de homens e mulheres, ricos e pobres, velhos e crianças, causadas pela peste. Os ratos!
Alguém precisava caçar os ratos. Alguém precisava fazer aquele trabalho sujo e nojento.
Mas, entre todos os bons cidadãos de Hamelin, não se encontrava alguém disposto a sujar as mãos caçando aqueles terríveis mensageiros da morte pela peste.


III
Encontrou-se alguém, no entanto, que lembrou de um jovem camponês esquisito que tocava flauta. diziam que falava com plantas e animais e que morava numa cabana pequena bem longe, no meio da floresta, no alto da montanha.
O cidadão lembrou que aquele jovem tinha grande talento para caçar ratos.
Desesperados, com medo da peste, os cidadãos suplicaram ao Prefeito de Hamelin que mandasse buscar o jovem flautista caçador de ratos.
O Prefeito então, encarregou um Assessor de buscar e contratar o jovem flautista caçador de ratos.
O Assessor do Prefeito foi até a cabana do flautista e ofereceu 30 moedas do Prefeito em pagamento para o jovem se ele livrasse a cidade dos ratos.
O jovem aceitou, pois precisava do dinheiro para comprar carvão e sal, já que quase tinha morrido de frio e fome no inverno passado.

IV
O jovem camponês trabalhou duro, procurando e caçando os ratos com as próprias mãos.
Depois do trabalho, todas as noites, o jovem recuperava suas forças tocando sua flauta, lembrando de sua família querida que morreu num incêndio.
Trabalhou tanto o jovem flautista caçador de ratos que depois de um mês eliminou todos os ratos da cidade.
Quando ele terminou o serviço, apareceu na prefeitura para receber seu pagamento.

V
Os cidadãos de Hamelin, no entanto, consideravam o trabalho de caçar ratos, além de sujo, a pior coisa que alguém podia fazer no mundo.
Em vez de receber suas 30 moedas, o jovem flautista caçador de ratos foi desprezado e agredido, foi ridicularizado, exposto ao vexame público e por fim expulso da cidade por uma multidão de cidadãos que não queriam um camponês caçador de ratos convivendo entre eles, muito menos vê-lo ser premiado com 30 das moedas do Prefeito.
Para justificar a violência, os cidadãos inventaram que a música do flautista enfeitiçava os ratos, assim, o jovem camponês, usando de magia, não tivera que fazer nenhum esforço para caçar os ratos, portanto, não merecia receber nada por tal serviço, que além do mais, poderia atrair grandes malefícios para a cidade, por se tratar de magia negra.

VI
As crianças, no entanto, tinham se acostumado com a música da flauta do caçador de ratos que todas as noites tocava doces canções de ninar após o serviço.
Algumas crianças resolveram ir secretamente até a cabana do flautista para escutar novamente aquelas canções.
Depois de irem várias noites atrás da música do flautista, e ficarem escondidas escutando suas músicas, finalmente tomaram coragem e puderam conversar com ele e assim ficaram sabendo de sua história, da grande injustiça que fora cometida pelos adultos contra aquele jovem camponês.
As crianças ficaram bravas e envergonhadas pelo que seus pais tinham feito. Ao chegarem em casa, imediatamente brigaram com os pais exigindo que o pagamento do flautista fosse honrado, pois não conseguiam acreditar que seus pais tinham sido capazes de praticar tamanha injustiça, ainda mais contra aquele que tinha salvado a cidade da peste, livrando-a dos ratos.

VII
Os pais nunca tinham visto as crianças se comportarem daquele jeito e acharam que aquilo era um presságio de um grande malefício fruto de algum encantamento de magia negra.
Imediatamente proibiram as crianças de falar naquele assunto e deixaram-nas de castigo, trancadas em seus quartos.
À noite, chorando baixinho entre lágrimas, elas começaram a ouvir outras crianças da vizinhança assobiarem trechos das canções que gostavam e tinham aprendido com o flautista.
Ouviam um pouco aqui, outro pouco ali, e iam lembrando devagar todas as notas das canções que gostavam.
Os pais, vendo que as crianças conseguiam assobiar todas as notas das canções do flautista caçador de ratos e não o esqueciam de jeito nenhum, mesmo de castigo, ficaram cada vez mais assustados e temendo ser aquilo o presságio de um grande malefício, suplicaram novamente ao Prefeito que publicasse um decreto proibindo as crianças de assobiarem ou cantarem as canções do flautista, ameaçando as crianças que desobedecessem de ser jogadas de um precipício.

VIII
O Prefeito convocou toda a população para o meio da praça da cidade de Hamelin para anunciar o decreto numa grande solenidade.
Tinha tanta gente que as crianças não enxergavam nada do que estava acontecendo na bancada onde o Prefeito estava, pois eram baixinhas e só conseguiam ver as pernas e os sapatos dos adultos, e toda hora recebiam puxões de orelha para prestarem atenção no que o Prefeito falava.
Algumas crianças, por serem crianças e fazerem coisas que às vezes as crianças fazem, começaram então a assobiar as canções do flautista e as outras crianças que pela primeira vez se viam todas juntas, mesmo entre as pernas dos adultos, começaram a assobiar também, e ficaram contentes de lembrarem todas notas das canções que gostavam.
O Prefeito quando ouviu o som do assobio das crianças cantando as músicas do flautista caçador de ratos, sentiu-se totalmente desrespeitado em sua autoridade, e num acesso de raiva, mandou que seus soldados executassem imediatamente a ordem que acabava de ser lida.
Os soldados, com medo da fúria do Prefeito e acostumados a fazer cumprir a lei, foram pegando as crianças pelas pernas, pelos braços e pelos cabelos e levando para o precipício.
Muitas crianças não entenderam o que estava acontecendo e assobiaram mais forte. Quanto mais ouvia as canções, mais o Prefeito berrava, ordenando que os soldados cumprissem suas ordens.
Os pais das crianças não sabiam o que fazer, pois foram eles que suplicaram ao prefeito que fizesse aquele decreto. Eles entendiam que as canções do flautista poderiam ser o presságio de um grande malefício que deveria ser evitado, para o bem de todos.
Enquanto os pais ficaram perplexos sem saber o que fazer, metade das crianças da cidade foi jogada no precipício pelos soldados do Prefeito.

IX
Envergonhados e cheios de culpa, os cidadãos de Hamelin perceberam que o malefício que inventaram que era anunciado pelas canções do flautista fora de fato causado por eles mesmos.
Os cidadãos de Hamelin ficaram desesperados ao compreenderem o que tinham feito, mas ainda não sabiam o que fazer.
As crianças finalmente entenderam o que tinha acontecido e, traumatizadas pela morte trágica de seus irmãos e amigos, nunca mais conseguiram lembrar as notas da canção do flautista caçador de ratos.
Alguém, entretanto, lembrou que tudo começou por causa da magia negra da música do camponês flautista caçador de ratos.
Um grupo de cidadãos de Hamelin não teve dúvidas que tudo o que aconteceu foi um presságio de um grande malefício, subiu até a montanha onde ficava a cabana do camponês flautista caçador de ratos, trancou-o lá e incendiou a cabana para que nenhuma nota de suas canções soasse novamente.
Fizeram isso convencidos de que o flautista por vingança havia enfeitiçado, além dos ratos, metade das crianças da cidade que, dominadas pela sua magia negra se atiraram  num precipício.
E assim, a lenda do flautista de Hamelin passou a ser contada, desse jeito, pelos cidadãos de Hamelin às crianças que sobreviveram.
  

“E como me contava a história do filho do carpinteiro que os ricos mataram! Contava-a de um jeito como, acho eu, nunca foi contada, nem antes nem depois. Muitas vezes o ouvi dizer: apesar de tudo, podemos perdoar muitas coisas ao cristianismo pelo fato de ter ensinado a amar as crianças.”

“Erinnerungen an Marx” - Lembranças de Marx
Leonor Marx (filha de Karl Marx)

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