quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Aos que querem venerar Atena








Metáforas Metodológicas 
inspiradas por Marx
e pelo mito de Medusa e Perseu


"Comparada com a inglesa, a estatística social da Alemanha e dos demais países ocidentais do continente europeu ocidental é miserável. Não obstante ela levanta suficientemente o véu para deixar entrever, atrás dele, uma cabeça de Medusa. Ficaríamos horrorizados ante a nossa própria situação se nossos governos e parlamentos, como na Inglaterra, formassem periodicamente comissões para investigar as condições econômicas; [...] Perseu necessitava de um elmo de névoa para perseguir os monstros. Nós puxamos o elmo de névoa sobe nossos olhos e ouvidos para poder negar a existência dos monstros."

KARL MARX. Prefácio da primeira edição. In: O Capital. Livro I. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013. (p.79). 894p.

A realidade histórico-social concreta, a empiria bruta, representa para um cientista social como Marx, o mesmo que a Medusa para Perseu.

A totalidade social em sua concretude empírica pode ser metaforicamente descrita como "empiria medúsica". Medusa era a linda sacerdotisa da Deusa da Sabedoria que, seduzida pela força das paixões, entregou-se a Poseidon no próprio templo de Atena e foi castigada pela Deusa que  a converteu em uma Górgona, monstro horrível com cabelos de serpentes capaz de transformar em pedra aqueles que ousam olhá-la de frente.

Aqueles que – devotos da Deusa da Sabedoria como Perseu – querem aventurar-se a controlar esse poder, só podem fazê-lo, usando de doses heróicas de coragem e esperteza, de ousadia e disciplina. Contar só com a pura coragem-ousadia, ou, ao invés, só com a pura esperteza-disciplina leva o infeliz à inevitável transformação em pedra no grotesco jardim da Medusa.

Da realidade concreta, portanto, é recomendável só se aproximar com muito cuidado e após muita preparação. As provas que Perseu teve que enfrentar antes de confrontar-se com a Medusa servem de modelo dos obstáculos que se interpõem no caminho do cientista social. Perseu teve que roubar um olho e um dente de três velhas irmãs cegas e banguelas e chantageá-las, apenas para que estas lhe entregassem um segredo fundamental. Descobriu, assim, o refúgio das Ninfas e visitou-as, mas, diferentemente de todos os homens que as buscaram, apenas para pegar emprestado armas e instrumentos forjados pelos deuses.

Mesmo após estar treinado, preparado e equipado com os melhores instrumentos e metodologias, o cientista social só pode aproximar-se do concreto empírico adotando atitudes estranhas e contrárias ao senso comum. Recusando firmemente olhá-la diretamente e andando de costas (fazendo o percurso lógico inverso da aparência à essência), devagar, silenciosamente, passo a passo, e mirando a empiria apenas pelo seu reflexo no polido escudo dado pela Deusa da Sabedoria, o cientista social deve aproximar-se de seu objeto empírico sem despertar as Górgonas de seu sono.

Com coragem e destreza deve aproximar-se de seu objeto concreto até estar tão perto, tão íntimo, que possa alcançá-lo, como Perseu, à distância de um golpe de foice. Após longa e perigosa jornada, pode o cientista social finalmente dominar seu objeto empírico e, como Perseu, pode, de um só golpe, decepar a Medusa, mas só o pode fazê-lo de olhos fechados! O perigo de ser petrificado é proporcional à proximidade entre observador e objeto.

Consumado o domínio do objeto pelo cientista social, não cessam os perigos, pelo contrário. Como no mito de Perseu, o objeto concreto, agora “abstraído”, deve ser agarrado pelos cabelos de serpentes e convenientemente embrulhado, colocado dentro do saco dado pelas Ninfas, seguro e embalado é agora uma "abstração razoável", tudo sem desviar os olhos do reflexo no espelho/escudo de Atenas. Ceder à tentação de olhar a Medusa, mesmo depois de decepada, significa igualmente ser derrotado pela petrificação do concreto real, ser assimilado à concreção.

Essas tarefas heróicas devem ser executadas e concluídas, ademais, sob a pressão do iminente despertar das duas Górgonas irmãs imortais de Medusa, que rapidamente vem reclamar sua vingança. Tolos são os que comemoram sucessos, pois a pequena parte do real que conseguem decifrar é apenas, como a Medusa, a irmã mortal das outras duas Górgonas imortais e infinitamente horripilantes a lembrar de sua pequenez diante da densidade e profundeza do real.

Para sair vivo do confronto com seu objeto, ao cientista social não basta não olhá-lo de frente. Após apreendê-lo, abstraí-lo e pensá-lo é preciso também que seu objeto não o veja e não o encontre. É preciso se esconder das conseqüências da alteração do estado do observador e do objeto provocadas pela erupção da consciência, da cognição. É preciso escapar do círculo concreto das Górgonas o mais rápido possível, agarrando-se às suas armas e instrumentos.

As Górgonas são como o capital, infinitamente obcecadas por si mesmas. Transformam em coisa todos ao seu redor, como o capital transforma tudo em objeto da valorização do valor. Repetindo esse desígnio eternamente, tresloucadamente, completamente livre de quaisquer limites. Os olhos das Górgonas perseguem os inimigos com raios ideológicos petrificantes poderosíssimos, mas elas também tem asas, garras, presas e uma bocarra assustadora com a qual devoram os incautos. Perseu só saiu vivo após decepar a Medusa devido a um capacete que lhe conferia invisibilidade dado por Hades e um par de sandálias aladas dadas por Hermes que lhe permitiu escapar voando.

Escapando ileso, o cientista social poderá, se quiser, transformar o mundo e não ficará limitado a eternamente observá-lo e interpretá-lo como uma figura petrificada. De sua aventura, no entanto, nada poderá tirar ou guardar para si. Deverá devolver suas armas e instrumentos aos legítimos donos e depositar a cabeça decepada da Medusa aos pés da Deusa da Sabedoria para que essa venha a ornamentar sua armadura.

Emergida de uma dor de cabeça de Zeus, já toda armada e equipada, a Deusa da Sabedoria é exigente e inflexível com aqueles que pretendem venerá-la.




sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Avida Dollars




Quantos ANAGRAMAS você consegue formar com SALVADOR DALÍ?

Salvador Dalí não produziu seus próprios anagramas. O iniciador da prática foi André Breton, que queria denunciá-lo como traidor do Surrealismo e por seu gosto excessivo pelo exibicionismo e pela notoriedade. O poeta compôs um anagrama com o nome de Salvador Dalí: Avida Dollars. Parece que o ataque não funcionou bem... Dalí adorou e assim se pronunciou mais tarde: 

      "No era un hallazgo de gran poeta [...] sin embargo debo reconocer que se ajustaba a mis ambiciones inmediatas de entonces. [...] El anagrama Avida Dollars constituyó un talismán para mí. Rindió generosa, dulce y monótonamente un manantial de dólares".


Julio Cortázar dizia que avaliava as pessoas por meio de sua opinião sobre Dalí. Se dissesse: "Era um magnífico filho da puta!" era uma boa sinalização. Por outro lado, se a pessoa dizia: "Deixando de lado sua pintura, mas ele é um ser moralmente desprezível." saía rapidinho, pois sabia estar diante de uma pessoa "distinta" sem qualquer possibilidade de diálogo. Assim, propôs seu próprio anagrama, com um trocadilho de Dalí com Dalila: 

     Suas tesouras tosaram um monte de Sansões excessivamente seguros de sua força moral. Algum dia, talvez a humanidade possa fazer sua história sem pessoas como Dalí; por ora se limita a negá-lo com o triste sistema do leproso que cobre os espelhos da casa. Ao anagrama famoso e justo e latino Avida Dollars eu contraponho este outro mais amável e simbólico e francês com o qual me despeço: Dors, Dalila, va. (Último Round, tomo II, pp.214-219).

Seguindo estes dois grandes Mestres Fundadores desse magnífico jogo, propomos o desafio do sub-título desta postagem. Vão aí as regras:


1.usar todas as letras das palavras SALVADOR DALÍ reordenando-as (não vale acrescentar ou retirar consoantes e vogais, a frase final deve ter as mesmas 12 (doze) letras: 1S, 3A, 2L, 1V, 2D, 1O, 1R, 1I)
2.ignora-se sinais gráficos (acentos, vírgulas, etc.)
3.vale misturar palavras de várias línguas;
4.vale abreviar, contrair, alterar, desde que o sentido seja claro e não pareça (muito) forçado;
5.não valem anagramas bobos (por ex; DAVID ROLA SAL), deve ter um mínimo de sentido (poético, irônico, etc.)
6.enfim, vocês entenderam... 


Convido, então, quem quiser, a comentar com mais alguns ANAGRAMAS DE SALVADOR DALÍ e dou minha modesta contribuição abaixo com dez novos anagramas:



1. AVIDA DOLLARS (ANDRÉ BRETON - Latim/Inglês = Ávido por dólares)


2. DORS, DALILA, VA (JULIO CORTÁZAR - Francês = Dorme, Dalila, à vontade)



3. DIOS LADRAVAL (Espanhol = Deus Covil dos Grandes Ladrões)

4. SAL, ROL DA VIDA (Português = Sal, inventário da Vida; Catalão = Viver, Papel da Vida)

5. SAL A VIDA, LORD! (Catalão/Inglês = Viver uma Vida, Senhor!)

6. OLVIDA SALDAR (Espanhol = Esquece o Equilíbrio)

7. ALL ORS DA VIDA (Inglês/Catalão/Português = Todo Ouro da Vida)

8. DIR, ALAS, VOLAD! (Catalão = Diga, pobre de min, Voa!)

9. LA SALA D VIDRO (Espanhol/Português = A Sala de Vidro)

10. VIOLA D LADRAS  (Português = Viola de Ladras)

11. IL DARDO SALVA (Italiano = O Dardo Salva)

12. LA DIVA DORSAL (Italiano/Português = A Deusa de Costas)