quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Sansão: um enigma doce e sujo







Sansão: um enigma doce e sujo

Sansão parece ser o herói bíblico mais estúpido, violento, bandido e pecaminoso que existe. "Nazireu", isto é, dedicado a Deus desde o nascimento (por isso não podia cortar os cabelos), abençoado com uma força muscular excepcional e eleito Juiz de seu povo, parece buscar a ascensão social traindo sua gente casando-se ou apaixonando-se por mulheres dos opressores filisteus.

Ao perder a aposta de um enigma que propôs aos parentes de sua noiva filistéia na festa de casamento, mata 30 pessoas inocentes (de uma cidade costeira a vários kilômetros de distância) apenas para lhes roubar as vestes de festa e pagar sua aposta. Sansão é também o mais atrapalhado herói militar dos hebreus. Suas ações militares são lutas individuais de guerrilha, descoordenadas de uma luta geral do povo hebreu, que, inclusive, põe em perigo o principal aliado desta luta, a numerosa tribo de Judá que é obrigada a entregá-lo atado aos filisteus para evitar um massacre. No auge de seu poder guerrilheiro, após derrotar milhares de soldados filisteus, entrega-se a uma mulher (Dalila) e é humilhantemente cegado e aprisionado. Foi o primeiro modelo ( judeu) de "homem-bomba" ao derrubar o templo sobre si e uma multidão de filisteus.

Essa curiosa figura de herói bíblico é, no entanto, o formulador da mais interessante e lendária reflexão sobre o doce da antigüidade, ainda hoje não explorada em toda sua riqueza: o enigma proposto por Sansão aos parentes da noiva era solucionado pela imagem do mel tirado de dentro da carcaça de um leão morto.

“Do que come saiu comida, do forte saiu doçura” era a charada do desafio de Sansão.

Sansão tinha certeza que os filisteus nunca decifrariam o enigma, pois sua chave política e religiosa, além de ser inconcebível para a cultura filistéia que abraçou por completo a religião caananita anterior, era ainda apenas um projeto secreto de um "escolhido por Deus para iniciar a libertação do povo hebreu". O projeto era tão secreto que a idéia de "povo hebreu" ainda não existia (hebreus = 'apirus foi um nome cunhado pelos filisteus para informar ao centro do império egípcio rebeliões de marginais foras-da-lei nas "Cartas de Amarna"; a tribo de Sansão, , sempre foi composta de camponeses pastores caananeus e nunca esteve no cativeiro do Egito) e também ainda não existia o monoteísmo javista. Yahweh era apenas mais um dentre os muitos deuses das tribos caananitas.

Deus é chamado por Sansão tanto pelo nome de El, de Elohim como de Yahweh. Ou seja, na época de Sansão, ou quando essa estória ganhou forma na mente do povo caananeu, a futura religião Javista (Yahweh / Israel) ainda não tinha se separado das suas raízes na religião antiga caananita, onde El/Elohim não era o Deus único e sozinho, mas apenas o Pai-de-todos da grande família divina caananita, cujos filhos jovens eram o belo e musculoso Baal (deus da chuva e da fertilidade) e a bela e sensual Anat (deusa do amor e da guerra) que era representada nua e de pé sobre as costas de um leão.

Sendo herói de um povo de camponeses pastores caananeus oprimidos por invasores filisteus que assumiram a religião caananita, Sansão referiu-se ao leão como símbolo da exploração que os filisteus exerciam sobre os camponeses pastores. O leão é um animal que mata algumas ovelhas e cabras desses pastores, do mesmo modo que os abusivos impostos cobrados pelos filisteus também "matam" algumas de suas ovelhas e cabras. O leão não podia ser combatido individualmente pelo camponês pastor, só podia ser caçado e morto com uma grande organização de toda tribo ameaçada.

Somente uma aliança de muitas tribos caananitas poderia derrotar o formidável poderio militar e tecnológico dos filisteus (que dominavam a novíssima tecnologia do ferro e das flechas e bigas velozes). Uma aliança de pequenas e fracas tribos de camponeses pastores, isto é, "abelhinhas", que sozinhas são facilmente esmagadas, mas juntas num "enxame" poderiam matar um leão a ferroadas e construir uma colméia no oco de seu cadáver. Nessa colméia poderiam juntas produzir o mel e experimentar a abundante doçura da harmonia laboriosa da vida comunitária. Somente um novo Deus, único e sozinho, poderia conduzir à vitória essa aliança de pequenas tribos contra um opressor tão forte e fazer correr na terra rios de leite e mel.



“Do que come saiu comida, do forte saiu doçura”


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Dirty Sweet



Dirty Sweet - Marionette

Abrindo a ala musical deste blog, essa banda de San Diego, California, que toca um excelente rock totalmente Old Fashioned que, além de inspirar-se no Southern Rock vai buscar as trilhas dos Spaghetti Westerns! Os atores do clip são os membros da banda. Com esse nome, não sei porque ainda não estouraram! (para centralizar a exibição, clique o botão direito do mouse e "mostrar tudo")


quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Política, Religião e Irrigação



Política, Religião e Irrigação


A luta pela terra e pela água sempre esteve próxima da política e da religião, mesmo quando não havia separação entre política e religião.

No Egito Antigo, um bando de biscateiros marginais, foras-da-lei, conhecidos como 'apiru (Hebreus), um povo "muito misturado", brigou com o Rei (o Faraó) e partiu em busca de uma terra prometida onde corriam rios de leite e mel.

Os Deuses do Faraó formavam também uma família divina, pois se o Faraó era o próprio Deus na terra, então, o filho do Faraó, o pai, a mãe, etc. também tinham que ser Deuses (menores, é claro). O Faraó era Deus de verdade, pois comandava a distribuição das terras e, principalmente, das águas.

O povo 'apiru era formado pelos mais pobres dos pastores camponeses e migrantes que viviam longe das férteis margens do Nilo (como se vê na foto acima), onde viviam os ricos, e onde o Deus Geb (Terra) era sempre fecundado pela Deusa Nut (Céu).

Os 'apiru, por sua vez, dependiam inteiramente do bom funcionamento da burocracia egípicia, incluindo astrônomos, matemáticos, topógrafos e engenheiros construtores, além do pessoal que supervisionava e fazia manutenção das redes de canais de irrigação. Se o Faraó acordava de bronca e mandava o funcionário fechar a comporta de tal canal, lá se ia toda uma população de várias aldeiazinhas de pastores a migrar por causa da fome e procurar biscates nas cidades. O chefe do Estado era divino pois tinha poder de vida ou morte tanto sobre a natureza como sobre as pessoas.

Os 'apiru lutaram por uma terra onde a água vinha lá do Céu direto de Deus para cada um, sem intermediários, uma terra em que chovesse tanto que a vegetação florescesse e produzisse árvores altas em cujos velhos troncos ocos pudessem abrigar-se muitas colméias de abelhas melíferas. Uma terra que chovesse tanto que os pastos verdejassem por muito tempo fazendo as cabras e ovelhas procriarem e darem leite de sobra. Uma terra onde corressem rios de leite e mel.

Na caminhada da luta até essa terra prometida, doce e chuvosa descobriram que não precisavam mais de Rei e inventaram um governo composto de uma assembléia de representantes de suas diversas tribos. Como inventaram um governo sem Reis, descobriram que Deus não precisava ter família, nem mãe, nem pai, nem mulher, nem uma corte de Deuses menores, nem mesmo filho.

Esse Deus que manda a chuva direto sobre todos, era único e sozinho. Diferente de outros "Deuses da chuva" da época, esse Deus único não tinha templo, para ele não adiantava rezar para chover. Além disso, esse Deus único e sozinho podia mandar dois tipos básicos de chuva:

(O hebraico bíblico registrou duas palavras para as chuvas mandadas por esse Deus)

era a chuva mansa que Deus manda para renovar a vida e


era a chuva-dilúvio que Deus manda para castigar a humanidade.

Estranhamente, para esse Deus "manda-chuva" único e sozinho, era a obediência do povo à Lei que constituiu a assembléia do governo do povo que contava para a benção da chuva boa ou para o castigo da chuva má.

Foram esses pastores-camponeses migrantes foras-da-lei 'apiru que inventaram e descobriram todas essas maravilhas que muito tempo depois ainda significam novidade em nossa civilização.

Existiram entre eles, é verdade, sérias divergências culinárias:

4A turba que estava no meio deles foi tomada de cobiça. Os próprios filhos de Israel se puseram a chorar e a dizer: “Quem nos dará carne para comer? 5Lembramo-nos do peixe que comíamos por nada no Egito, dos pepinos, dos melões, das verduras, das cebolas e dos alhos! 6Agora estamos definhando, privados de tudo; nossos olhos nada vêem senão este maná!” 18[...]“Éramos felizes no Egito!” 20[...]“Por que, pois, saímos do Egito?”

(A Bíblia de Jerusalém - Livro dos Números 11, 4-6; 18; 20)

sábado, 5 de setembro de 2009

Del rigor en la ciencia


Uma brincadeira irresponsável
com Jorge Luis Borges:
mensagem (de)cifrada em
“Del rigor en la ciencia”


Del rigor en la ciencia
... En aquel imperio, el Arte de la Cartografía logró tal Perfección que el mapa de una sola Provincia ocupaba toda una Ciudad, y el mapa del Imperio, toda una Provincia. Con el tiempo, esos Mapas Desmesurados no satisficieron y los Colegios de Cartógrafos levantaron un Mapa del Imperio, que tenía el tamaño del Imperio y coincidía puntualmente con él. Menos Adictas al Estudio de la Cartografía, las Generaciones Siguientes entendieron que ese dilatado Mapa era Inútil y no sin Impiedad lo entregaron a las Inclemencias del Sol y de los Inviernos. En los desiertos del Oeste perduran despedazadas Ruinas del Mapa, habitadas por Animales y por Mendigos; en todo el País no hay otra reliquia de las Disciplinas Geográficas.
SUÁREZ MIRANDA: Viajes de Varones prudentes,
libro cuarto, cap. XIV, Lérida, 1658.


Não tenho problema em confessar minha condição de ignorante neófito na leitura de Jorge Luis Borges, embora me persiga uma estranha sensação de intimidade quem sabe desfrutada em outras vidas.
Creio, no entanto, ser capaz de apreciar sua crítica mordaz e irônica ao que de melhor produziu a alta cultura dos centros da civilização ocidental: sua ciência e sua filosofia, irmãs mais novas da sua velha raiz judaico-cristã.
Minha convivência com engenheiros agrônomos, topógrafos e cartógrafos, e principalmente com os praticantes da versão mais radical de mistificação científica, a “ciência econômica”, me atraíram desde cedo para esse texto de Borges – Del rigor en la ciencia – que ficou-me gravado na memória, além da ironia, pela inusitada utilização de algumas letras maiúsculas, aparentemente a destacar certas palavras ou expressões como se fossem títulos.
Somente por um irresistível chamado de regiões telúricas, ouso essa brincadeira irresponsável com Jorge Luis Borges que adorava livros e bibliotecas e conhecia métodos de catalogação já esquecidos.
Usei o mais primitivo, os sinais que se organizam em sons, palavras e línguas que civilizações antigas misteriosamente ordenaram e que se acha em todas as bibliotecas: a ordem alfabética.
Tomei cada palavra como se fosse o título de um livro e fui colocando-os em seu lugar em cada prateleira de minha estante na ordem em que aparecem no texto:



A
C
D
E
aquel
Ciencia
Desmesurados
Estudio
Arte
Cartografía
dilatado
entendieron
Adictas
Ciudad
Desiertos
entregaram
Animales
Colegios
de Cartógrafos
despedazadas
coincidía
Disciplinas
G
H
I
L
Generaciones
habitadas
Imperio
logró
Geográficas
hay
Inútil
levantaron
Impiedad
Inclemencias
Inviernos
M
O
P
Mapa
ocupaba
Perfección
Menos
Oeste
Provincia
Mendigos
otra
puntualmente
perduram
País
R
S
T
Rigor
sola
tal
Ruinas
satisficieron
toda
reliquia
Seguientes
tenía
sin
tiempo
Sol
tamaño


Des-cifrando minha estante, cada cifra-prateleira contou uma oração de um novo texto de Borges.
Sim, pois nesse novo texto, se reconhece Borges em cada letra, só que potencializado, mais crítico ainda, mais mordaz, mais claro e feroz contra uma ciência estupidamente vinculada a um poder irracional, mas, também mais esperançoso, mais orgulhoso de nossa profunda sabedoria "mendicante" latino-americana, capaz de construir sobre os escombros irracionais da civilização ocidental um novo caminho, de traçar um novo mapa, mesmo sem ver o sol, para um outro oeste.





“Una Viaje de un Varón Prudente”
A aquella Arte eran Adictos Animales.
En los Colegios de Cartógrafos, la Ciencia coincidía con la Ciudad.
En los desmesurados Desiertos, dilatadas Disciplinas fueron despedazadas.
Al Estudio entendieran se entregar,
las Generaciones Geográficas
que los habían habitado.
Fue ese Imperio Inútil de la Impiedad que empezó las Inclemencias de los Inviernos.
Lograran levantar, aunque
por lo menos un Mapa, los Mendigos,
Y ocuparan el Oeste que se hizo otro.
Con Perfección, en su Provincia puntualmente perduran su País.
Del Rigor, restaron Ruinas y Reliquias.
Solos, se satisficieron y siguieron, aunque sin Sol.
Tal es que tienen todo el tiempo y el tamaño.