segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O doce, o salgado e a linguagem do amor






O antropólogo Sidney Mintz (esse simpático velhinho aí da foto) talvez seja o maior estudioso da doçura no mundo moderno. Num artigo memorável cujo título foi roubado por esta postagem ele começa estabelecendo semelhanças e diferenças entre sal e açúcar, entre doce e salgado.


Sal e açúcar são as duas substâncias quimicamente puras que são consumidas pelos humanos, ambos se apresentam na forma refinada como uma areia cristalina. Ambos são essenciais aos processos vitais que interrelacionam humanos, animais, vegetais e o reino mineral. Ambos são objetos de intresses de governos como bens que podem ser taxados e controlar o trabalho humano. Veja-se, por exemplo, na Roma Antiga a origem da palavra "salário" usando o sal como moeda e a relação da escravidão moderna com a produção de açúcar no Novo Mundo para abastecer de calorias baratas o nascente proletariado industrial.


No entanto, o sal é mineral, consumido nessa forma e como presente na carne por animais e homens desde tempos imemoriais, é visto pelos humanos que o consomem como item de necessidade básica, mas apresenta um claro limite individual para a quantidade que alguém agüenta consumí-lo.


O açúcar, ao contrário, é resultado de processos orgânicos, só largamente consumido recentemente na história humana com a emergência da civilização ocidental moderna, é do ponto de vista nutricional e também cultural visto como absolutamente dispensável e desnecessário mas não parece haver limites individuais para a quantidade que alguém consegue consumir de açúcar.


O mel era o "açúcar" dos antigos. Na linguagem do amor (e também como principal adoçante consumido), o mel foi por muito tempo o rei. Veja-se as expressões 'lua de mel", "beijo melado", "lábios de mel", etc. Sidney Mintz nota que na língua inglesa esses expressões baseadas no mel ficaram pra trás e foram substituídas por outras que parecem ter por base a democratização do consumo de açúcar, tais como, "sugar", "sugar pie", "sweetie", "sweetheart", "sugar daddy" e outras mais eróticas como "jelly roll".


Mintz também nota que a experiência sensorial do doce traz evidentes lembranças de um prazer egoístico e quase sexual, embora toda nossa experiência sexual seja relacionada muito mais com o salgado. Nossas lágrimas são salgadas, nosso suor é salgado, nosso sangue é salgado, nem é preciso falar do sabor do esperma ou dos fluidos vaginais. Em resumo, sexo é salgado!


Há um único fluido humano que podemos experimentar como doce: o leite materno. Doce é nossa lembrança do momento em que cumprimos nosso destino de mamíferos. Doce é a sensação que nos recorda do seio materno. É pela via do leite materno que o doce entrou na linguagem do amor.


No entanto, lembra Mintz, essa história é mais complicada, pois parece haver uma concentração cultural específica em relação ao doce na linguagem do amor. Forte na Inglaterra e em países de cultura anglo-saxã. Na China e na França, por exemplo, essa ligação do doce com o amor parece ser muito mais fraca, correspondendo também a um consumo muito menor de açúcar, cuja explicação ainda carece de resposta pela antropologia.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Sujo como Nietzsche



O filósofo mais bigodudo da história também falava de uma "Filosofia da Manhã". Em um dos seus textos chamado justamente "Aurora" (lembram-se de Jakob Böehme?) defende que toda moral provém dos instintos e atos animais, de como nos alimentamos.

"§ 26

Os animais e a moral – As práticas que são exigidas na sociedade refinada, o evitar cuidadosamente o ridículo, o que dá na vista, o pretencioso, o preferir suas virtudes assim como seus desejos mais veementes, o fazer-se igual, pôr-se na ordem, diminuir-se – tudo isso, como moral social, se encontra, a grosso modo, por toda parte até o mais profundo do mundo animal – e somente nessa profundeza vemos o propósito que está por trás de todas essas amáveis precauções: quer-se escapar de seus perseguidores e ser favorecido na busca de sua presa. Por isso os animais aprendem a se dominar e disfarçar de tal maneira que muitos, por exemplo, adaptam suas cores à cor do ambiente (em virtude da assim chamada "função cromática"), fazem-se de mortos ou adotam formas e cores de um outro animal ou de areia, folhas, algas, esponjas (aquilo que os pesquisadores ingleses designam como mimicry). Assim se oculta o indivíduo sob a generalidade do conceito "homem" ou sob a sociedade, ou se adapta a príncipes, classes, partidos, opiniões do tempo ou do ambiente: e para todos os refinados modos de nos fazermos de felizes, gratos, poderosos, amados, se encontrará facilmente o equivalente animal. Também aquele sentido de verdade, que no fundo é o sentido de segurança, o homem tem em comum com o animal: não quer deixar-se enganar, não quer deixar-se induzir em erro por si próprio, ouve com desconfiança a voz persuasiva de suas próprias paixões, reprime-se e permanece em guarda contra si; isso tudo o animal sabe igual ao homem, também nele o autodomínio brota do sentido do efetivo (da prudência). Ele observa, igualmente, os efeitos que exerce sobre a representação de outros animais, aprende a voltar o olhar sobre si mesmo a partir dali, a se tomar "objetivamente", tem seu grau de autoconhecimento. O animal julga os movimentos de seus adversários e amigos, aprende de cor suas peculiaridades, orienta-se por elas: contra indivíduos de uma espécie determinada ele renuncia de uma vez por todas ao combate e, do mesmo modo, adivinha na aproximação de muitas espécies animais o propósito de paz e acordo. Os inícios da justiça, assim como os da prudência, comedimento, bravura – em suma, de tudo o que designamos com o nome de virtudes socráticas [o bom, o belo, o verdadeiro], é animal: uma conseqüência daqueles impulsos que ensinam a procurar por alimento e escapar dos inimigos. Se ponderamos agora que também o mais elevado dos homens só se elevou e refinou justamente no modo de sua alimentação e no conceito de tudo aquilo que lhe é hostil, não deixará de ser permitido designar todo o fenômeno moral como animal."

Bom, o doce, desde momentos imemoriais foi constituido como sinalizador de alimentos seguros e saudáveis, o prazer que provoca em nós é um poderoso marcador no mapa cerebral que fomos utilizando para escolher e localizar os alimentos que nos faziam bem e afastar os que nos faziam mal.






Porquê nossa civilização ocidental cristã e capitalista desenvolveu uma especial predileção pelo doce?